Resenha
crítica do livro 1984 de George
Orwell
Para obtenção de créditos parciais na disciplina "Ciência,
Tecnologia e Sociedade" (CTS) [UFABC, 2/2015]
Sobre o autor:
Eric Arthur Blair (1903-1950), que escreveu sob o pseudônimo de “George
Orwell”, foi um renomado escritor e jornalista inglês. Fora também militante
político, lutou na guerra civil espanhola e era simpatizante de ideais
anarquistas (ou em oximoro relativamente conhecido “socialismo democrático”),
tendo lutado na guerra civil espanhola ao lado dos combatentes republicanos.
Suas obras mais conhecidas são 1984
(1949) e A Revolução dos Bichos (1945);
a primeira será objeto de análise nesta resenha e a segunda retrata uma paródia
crítica do que se deu na Rússia bolchevista; a retórica igualitária dos
comunistas se converteu em opressão e totalitarismo e foi objeto de exposição
de Orwell na obra – a despeito de qualquer filiação à esquerda, Orwell não se
furtou a criticar severamente o comunismo soviético, mostrando que suas
preocupações eram mais intelectuais e menos ideológicas, isto é, na contramão
de muitos intelectuais (inclusive compatriotas[1]) de sua época, Orwell
preferiu os fatos frente às narrativas ideológicas que relativizavam os crimes
de Moscou.
A OBRA
Dentre diversas categorias possíveis
em que 1984 pode se encaixar, uma em que certamente a descreve bem é a de
“distopia”. A palavra remete ao seu par oposto, “utopia”. Do ponto de vista
semântico quer dizer simplesmente não-lugar (do grego ou e topos), lugar
sabidamente inexistente dadas suas características que beiram ou atingem a
perfeição (social, política e moral). Literariamente a palavra surge com a obra
assim intitulada por são Thomas Morus, Utopia[2].
Afirma-se que após a repercussão da obra, onde muitos não a compreenderam e
viram ali um manual de realização no mundo ou um arquétipo ideal realizável no
mundo concreto (interpretação contrária àquela pretendida por Morus), o autor
desejava que os exemplares fossem queimados, visto a interpretação
diametralmente oposta que ganhou fôlego com o tempo. Analisaremos a obra de
Orwell à luz de quatro aspectos que podem ser depreendidos da própria e que
caracterizam boa parte das distopias: a manipulação da verdade perpetrada pelo
estado totalitário descrito por Orwell, o fenômeno da manipulação da linguagem,
do duplipensar e a demonização dos adversários (reais ou imaginários), mas não
sem antes um introito sobre o conceito de distopia.
As distopias – que não
coincidentemente proliferaram no século XX, século dos totalitarismos –,
portanto, são representações de sociedades que raiam a loucura social, moral e
política: ditaduras, tecnocracias, engenharia genética, controle absoluto de
todos os aspectos da vida humana (usualmente sob a alçada de um Estado
superpoderoso). Esse é o caso de “1984”[3]: Oceania é uma ditadura
totalitária dirigida pelo “Grande Irmão” e regida pelo “ingsoc”, o socialismo
inglês. Oceania está em guerra constante e embora os “inimigos” mudem com o
passar do tempo, todos são levados a crer que o inimigo é sempre o mesmo, pois
a verdade histórica se encontra nas mãos do Grande Irmão. Aí que entra o herói
do livro (embora seja questionável se Winston realmente encarna um herói):
Winston Smith trabalha na seção “jornalística” do “ministério da verdade” onde
é de sua responsabilidade manipular fatos reescrevendo artigos de jornais e
revistas. Uma das intenções mais nítidas de Orwell com sua obra era mostrar
como os totalitarismos arrogam a si mesmos a condição de senhores da verdade,
quando na verdade o que eles operam é uma institucionalização da mentira. Um
episódio emblemático disso na obra é quando a quota de ração de chocolate é
reduzida[4], mas os anúncios falam de
um aumento e as pessoas acreditam que, de fato, houve aumento:
Foi informado de que houvera
inclusive manifestações de agradecimento ao Grande Irmão pelo fato de ter
elevado a ração de chocolate para vinte gramas por semana. Sendo que ainda
ontem, refletiu, fora anunciada a redução da ração para vinte gramas por
semana. Seria possível as pessoas engolirem aquela, passadas apenas vinte e
quatro horas do anúncio? Sim, engoliam. Parsons engoliu sem dificuldade, com a
estupidez de uma besta. A criatura sem olhos da outra mesa engoliu fanática,
apaixonadamente, com um desejo furioso de seguir, denunciar e vaporizar todo
aquele que viesse a sugerir que na semana anterior a ração era de trinta
gramas. Syme também – de uma maneira mais complexa, que envolvia duplipensamento
–, Syme engoliu. Winston era o único,
então, a possuir memória? (ORWELL, 2012. p. 75 e 76, grifo do autor).
O
controle psicológico impresso nas pessoas pelo Grande Irmão é de uma força tal
que consegue, como ilustra o trecho, controlar plenamente a memória das pessoas. A mente e o corpo
(vale ressaltar que um dos pecados de Winston, além de pensar por si próprio e
registrar o que pensava por escrito foi se relacionar sexualmente com Julia,
isto é, o sexo também era alvo de controle) dos habitantes de Oceania estão sob
controle total e completo. Se o ambiente descrito é esse, é evidente que a
linguagem não foi menos objeto de ataque por parte dos planejadores centrais de
Oceania.
Abreviações
são preferíveis diante das palavras inteiras, ao longo dos tempos, os
dicionários vão diminuindo cada vez mais (o algoz de Winston – O’Brien,
inclusive, oferece a ele o mais recente, orgulhosamente bem menor que a edição
anterior). Quem deseja aumentar seu controle sobre as pessoas deve,
inevitavelmente, estender seus tentáculos para a linguagem. Quem pensa numa
língua previamente estabelecida está incapacitado de pensar livremente, de
pensar nas “ideias erradas”, daí a necessidade imprescindível de se criar uma
“novilíngua”. Vale lembrar que o famoso lema de 1984 é “Guerra é paz, liberdade
é escravidão, ignorância é força”, ou seja, palavras com sentidos completamente
opostas são tidas como sinônimos – trata-se de um esvaziamento quase que
completo da linguagem. Sem o conteúdo concreto escorado na realidade as
palavras são simplesmente vazias e os interessados na manutenção da opressão
podem se dar o direito de praticar as mais odientas atitudes. O Grande Irmão
poderia e conseguiria, tranquilamente, chamar Oceania de uma república ou uma
democracia[5] se assim o quisesse. Uma
linguagem contaminada é o caminho pavimentado com perfeição para o
estabelecimento de alguma ditadura totalitária.
Outro
elemento que emerge da sociedade ultracontrolada descrita em 1984 é o fenômeno
do “duplipensar”. O controle é exercido sobre diversas frentes: moral,
política, sociedade, tecnologia, mas em níveis mais profundos como a biologia[6] e a psicologia. Os
habitantes de Oceania são capazes de conciliar crenças absolutamente
contraditórias em suas cabeças, ferindo sem maiores delongas o elementar
princípio lógico da não-contradição. O duplipensar é corolário do monopólio da
verdade que o Grande Irmão pretende praticar. Ainda que seja possível falar num
aumento da quota de ração quando ouve diminuição, a realidade invariavelmente
guarda uma força que não pode ser aniquilada. As pessoas sabem, veem ou sentem
que a quantidade diminuiu, mas acreditam e afirmam que na verdade ela aumentou.
Oceania estava em guerra com a Eurasia e ela representa o maior inimigo de
todos os tempos, mas subitamente virou uma aliada? Sem problemas. Basta alguns
movimentos para acomodar esse novo “fato” na cabeça das pessoas. Conforme
afirma o (anti)-herói da obra, “a verdade se torna mentira e depois se torna
verdade de novo”. Como? A explicação psicológica para o fenômeno é o que Orwell
batizou de duplipensar. Longe de mera licença poética, o duplipensar é,
basicamente, o fenômeno que a psicologia documenta como “dissonância
cognitiva”, isto é, quando os eixos da prática e da teoria em vez de correrem
em paralelo correm em sentidos opostos, solapando um ao outro. No contexto de
um estado totalitário a dissonância cognitiva precisa ser impetrada em escalas
nacionais, visto que como apontamos, a realidade e a narrativa que pretende
retratar essa realidade também correm em direções opostas.
Há
ainda um elemento importante a ser destacado em 1984, que é o fenômeno propagandístico da demonização do adversário
político, seja ele real ou imaginário. Como um dos pés de sustentação de um
estado totalitário, é essencial manter o ódio das pessoas em doses elevadas. É
o que observamos com o Emmanuel Goldstein, o suposto grande inimigo de Oceania
– suposto pois o próprio Winston põe em xeque sua existência. Na história
existe até mesmo os “dois minutos de ódio” (uma paródia do “minuto de silêncio”?),
período de tempo dedicado à execração pública de Goldstein. Embora tudo que
fora realçado até aqui possa ser visto no debate público político atual, a
necessidade de odiar alguém nunca foi tão exercitada pelos políticos. Não se
trata de um embate minimamente racional em que o outro lado é logicamente
refutado, mas sim de uma discussão de natureza moral, sobre o caráter do seu adversário que é digno de
ódio dos demais. Essa retórica atinge os dois lados do espectro político:
George Bush tanto se serviu dela[7], quanto foi vítima[8], bem como outros[9]. O fato é que, diante de
analises o máximo racionais possíveis, nenhum totalitarismo se sustentaria, se
fazendo necessário, portanto, o tipo de abordagem sentimental que abarcará
sentimentos polarizantes que permitam dar combustível para ações
injustificadas, além de imbuir os sujeitos comuns de uma vontade de ação
visceral contra aqueles que representam o “mal”. A discussão segue a mesma
esteira do esvaziamento da linguagem: se a Coreia do Norte é uma república
democrática e se Goldstein é a encarnação do mal, quem ousará ser contra uma
república democrática e quem ousará se negar a combater o mal?
***
Há
ainda um último aspecto que gostaria de destacar: embora haja uma ansiedade
tanto de direita quanto de esquerda por contar Orwell como um dos seus (pessoalmente
penso que sua acidez incida mais sobre os delírios de esquerda que os de
direita), reitero que tanto a obra quanto o pensador Orwell estão
intelectualmente desprendidos desse tipo de análise. Embora o pano de fundo de
Orwell para 1984 e outras obras seja
os fascismos europeus que o próprio viu ascender, suas críticas não incidem
sobre um sistema econômico, isto é,
Orwell não estava criticando o comunismo enquanto projeto econômico, mas sim
qualquer sanha totalitária estatal, havendo adesão ao socialismo econômico ou a
algum tipo de capitalismo de laços que fosse. Suas críticas atingem tanto as
práticas das polícias políticas como a Stasi, a KGB e outras quanto a
intromissão de entidades como a “NSA”, tal como denunciado por Edward Snowden.
Ou seja, a instalação de um estado policial pode ser observada tanto com o pano
de fundo de um socialismo econômico quanto do capitalismo de Estado. Tal
interpretação está plenamente fundamentada tanto na obra quando na exegese (Cf.
FROMM, 2012, p. 379; ORWELL, 2012, p. 92).
Orwell contra David Bloor
Na figura do professor David Bloor
(1942-) acreditamos que se concentra uma postura a qual Orwell faria algumas
objeções e nisso seguimos tanto nossa interpretação particular quanto aquela
oferecida por Christopher Hitchens[10] sobre o autor em obra já
citada (Cf. nota 1). Grosso modo, as
posições explicitadas pelo professor Bloor condensam uma importante e atual
vertente das ciências sociais que enfatiza o caráter socialmente construído das
coisas, desde a moral, costumes até a própria ciência física. Estamos
perfeitamente cientes da complexidade do pensamento do professor britânico.
Usamos sua referência pelas ideias em si mesmas, mas como ensejo para a ligação
entre uma certa crítica feita por Orwell a posições que caso não sejam
totalmente do professor Bloor, encontram fortes ecos na obra do mesmo, a saber,
que fatores exógenos aos fatos são influentes ou determinantes para teorias
científicas e que a ciência não pode ser concebida como uma construção lógica e
autônoma; posicionamento este que está na esteira das concepções ditas
“pós-modernas”[11]
que surgem como críticas aos ideais modernos de sujeito, razão, verdade,
objetividade etc e que afirmam que a ciência é apenas uma narrativa como
qualquer outra[12].
O chamado “programa forte” da
sociologia da ciência teorizado por Bloor conduz invariavelmente a uma
consideração relativista (ou “sociologista”) da ciência que tem por premissa
diretora a ideia que a ciência não representa conhecimento verdadeiro (visto
que que é socialmente construído[13], portanto, variável
diante da época, história, economia, preconceitos etc.) – estendida para termos
mais genéricos: afirmações que pretendam o caráter de verdadeiras são
impossíveis. O sociólogo da ciência investiga as excrecências e as
irracionalidades do processo de construção da mesma (ao contrário do filósofo
da ciência, que usualmente despreza esses itens) e confere razoável importância
aos mesmos, visto que uma outra premissa dessa linha sociológica é que
conhecimento é tudo que é tido como conhecimento (BLOOR, 2010, p. 18) – de
acordo com o slogan feyrabendiano de que “tudo vale”, se alguma sociedade x ou
y pretende que seus rituais religiosos são conhecimento, então são
conhecimento, dada a definição utilizada. Se há um Grande Irmão forte o
suficiente para afirmar que a afirmação “guerra é paz” é verdadeira, então ela
é verdadeira. Embora Bloor alegue que o programa forte não se ocupa de verdade
ou falsidade (idem, p. 21), esse tipo
de saída relativista não se sustenta: é verdadeiro ou é falso que a sociologia
da ciência não se ocupa da verdade ou falsidade das disciplinas científicas?
Que as teorias científicas são construtos sociais é uma afirmação falsa,
verdadeira, as duas coisas ao mesmo tempo ou nenhuma das duas?
Dessa forma, mesmo que Bloor esteja
absolutamente correto nas suas afirmações e nós, errados, defendemos aqui que
Orwell foi de alguma maneira um paladino da verdade e da objetividade contra o
programa forte de Bloor e o zeitgeist
das ciências sociais hoje em dia. Podemos levantar dois argumentos em favor da
ideia que Orwell era assim: o primeiro é lógico, se Orwell falava em manipulação da verdade histórica, por
exemplo, é porque acreditava num padrão externo objetivo que pudesse determinar
que aquilo é, efetivamente, um dado histórico falso porque manipulado. Se a
verdade é relativa é sempre relativa a alguma coisa e não é fortuito que assim
seja num ambiente totalitário, em 1984
a verdade é relativa à vontade do Grande Irmão – para possível surpresa de
alguns, as formas radicais de relativismo são excelentes em dar azo a
ditaduras. Se há qualquer expectativa pela rebelião de Winston, por exemplo, é
porque há uma verdade externa e independente das vontades dele próprio e do
Grande Irmão a recorrer[14].
Igualmente – e como nosso segundo
ponto – se Orwell crê que a linguagem é manipulável, faz o diagnóstico porque
acredita na possibilidade de se expressar não de forma neutra, mas ao menos de
alguma maneira minimamente honesta (como saber que a novilíngua não é o idioma
mais adequado e verdadeiro sem um padrão externo, objetivo e quase-neutro?).
Conforme afirma Christopher Hitchens, Orwell cria que essa linguagem é possível
e essencial para o livre curso de uma sociedade aberta: “para Orwell, uma
linguagem comum com regras aceitas e mutuamente compreendidas era condição
indispensável a uma democracia aberta” (HITCHENS, 2010, p. 189).
Qualquer oposição à novilíngua (bem
como ao autoritarismo que ela ajuda a reforçar) depende também – e talvez
essencialmente – de que haja uma linguagem objetiva e que exista uma verdade
objetiva que sirva de arcabouço para eventual luta contra a “verdade civil”.
Como título alternativo para 1984
Orwell havia pensado em “O último homem da Europa”. Seria Winston esse último
homem ou seria um convite de Orwell para que nós sejamos[15] esses últimos homens? Em 1984 certamente Winston é o único
sobrevivente, tanto que se sentiu compelido a exortar:
“Ao futuro ou ao
passado, a um tempo em que o pensamento seja livre, em que os homens sejam
diferentes uns dos outros, em que não vivam sós – a um tempo em que a verdade exista e em que o que for feito não
possa ser desfeito:
Da era da uniformidade,
da era da solidão, da era do Grande Irmão, da era do duplipensar – saudações!”.
(ORWELL, 2012, p.39, grifos nossos).
Dessa maneira, nesse retrato de
Orwell como um profeta da verdade e da objetividade, legítimo herdeiro da
tradição lógico-analítica anglo-saxônica (e por oposição à tradição
“continental”, hermenêutica e historicista e, portanto, afeita ao relativismo),
acreditamos que há uma certa contestação de uma forte e constante premissa
norteadora dos estudos sociais contemporâneos, na figura de autores como Bloor,
mas ainda como outros.
Referências bibliográficas
BOGHOSSIAN,
Paul. O medo do conhecimento: contra o
relativismo e o construtivismo. Lisboa: ed. Gradiva, 2015.
BLOOR,
David. Conhecimento e imaginário social.
São Paulo: ed. UNESP, 2010.
BRICMONT, Jean; SOKAL, Alan. Imposturas Intelectuais.
Rio de Janeiro: ed. Best Bolso, 2014.
FEYERABEND,
Paul. Contra o Método. São Paulo:
ed. UNESP, 2011.
FROMM, Erich. “Posfácio”. In: 1984. São Paulo: ed. Companhia das Letras, 2012.
HITCHENS,
Christopher. A vitória de Orwell.
São Paulo: ed. Companhia das Letras, 2010.
LEWIS,
Clive Staples. A abolição do homem.
São Paulo: ed. Martins Fontes, 2012.
ORWELL,
George. 1984. São Paulo: ed.
Companhia das Letras, 2012.
[1] Quando já se era sabido dos crimes
perpetrados por Moscou, o casal Sidney e Beatrice Webb visitou a União
Soviética e afirmou que ali jazia o futuro da civilização humana. A obra em que
relataram suas experiências era intitulada em suas primeiras edições (de 1938)
como “URSS: uma nova civilização?”. Com o tempo a interrogação foi suprimida.
Para um apanhado geral da recepção das esquerdas das obras de Orwell conferir
HITCHENS, 2010, p. 44-83.
[2] Há os que classifiquem a
“República” de Platão como uma utopia, muito embora apenas Morus já entendia
seu trabalho como tal. Platão certamente entendia o plano da pólis perfeita da República como realizável no mundo.
[3]
Mas não apenas de 1984, também de: Fahrenheit 451 (Ray Bradbury), Admirável
Mundo Novo (Aldous Huxley), We
(Yevgeny Zamyatin – a quem Orwell deve muito para a produção de 1984), O Senhor das Moscas (William Golding), Laranja Mecânica (Anthony Burgess), Planeta dos Macacos (Pierre Boulle), Cântico e A Revolta de Atlas
(Ayn Rand) e até mesmo Jogos Vorazes
(Suzanne Collins).
[4] Isso porque “Quase todo o material
com que lidavam ali era desprovido da mais ínfima ligação com o mundo real –
faltava até o tipo de ligação contida numa mentira deslavada. As versões
originais das estatísticas não eram menos fantasiosas que suas versões
retificadas” (ORWELL, 2012, p. 55). Não se trata de um monopólio da verdade (o
que poderia dar azo a um relativismo cognitivo que Orwell certamente
rechaçaria), mas de um monopólio da
mentira – se para Aristóteles a verdade era medida de acordo com a
correspondência entre o que se diz e a realidade, em Oceania o que se diz não
tem qualquer ligação com o real (idem. et
seq).
[5]
Vale lembrar: a União
Soviética se intitulava uma “república”, os gulags eram chamados de “campos de correção” e a Coreia do Norte se auto-intitula
uma “república democrática”. Certamente a relação dos totalitarismos com a
linguagem não é das mais saudáveis.
[6]
Usualmente as distopias do
século XX relatavam sociedades eugênicas, sendo Admirável Mundo Novo o exemplo mais famoso, as pessoas são
geneticamente criadas e seus destinos geneticamente determinados.
[7]
O famigerado discurso acerca
do “eixo do Mal” do Oriente Médio, https://www.youtube.com/watch?v=VAALGqKPaT4, que serviu de justificativa para
a intervenção no Iraque.
[8] Por sua vez, o outro lado da moeda
não deixou de retratar Bush (como também o faz com os EUA – tido como “Grande
Satã” e com Israel, “pequeno Satã”: http://akio.ohtori.nu/images/03_bush.jpg).
[9]
Primeiro-ministro de Israel é
descrito como “Satanyahu”: https://lh3.googleusercontent.com/-kIX5xLiPIm8/Uho0bxYOyuI/AAAAAAAAB-A/X0y2bkfspW8/w426-h391/satanyahu-320x294.jpg.
[10] Cf. HITCHENS, 2010, p. 186-196.
[11] Ainda que as críticas ao
pós-modernismo sejam coisa de ao menos duas décadas, parece que as ideias
continuam tão influentes quanto eram à época. A brincadeira dos físicos Alan
Sokal e Jean Bricmont, acreditamos, fora definitiva e decisiva para mostrar o
caráter intelectualmente duvidoso de todo o grosso das ideias pós-modernas: http://criticanarede.com/imposturas.html e (BRICMONT, SOKAL, 2014).
[12]
Como bem apontou, concorde-se
com ele ou não, o filósofo da ciência Paul Feyerabend, dessas ideias só se pode
concluir que a ciência não é uma forma de conhecimento superior à bruxaria e
que, no fundo, “anything goes” (Cf. FEYERABEND, 2011).
[13]
A despeito dos constantes
exemplos extraídos da história da ciência que atestariam essa afirmação, há
acadêmicos de peso que argumentam de maneira sólida no sentido contrário, como
por exemplo Paul Boghossian em “O medo do conhecimento: contra o relativismo e
o construtivismo” (2015).
[14]
Não vejo possibilidade de
oposição à tortura praticada por O’Brien contra Winston sem uma verdade
objetiva a que se possa recorrer. O’Brien poderia ser dono de uma cadeira
universitária para uma disciplina chamada “Relativismo Cognitivo Radical”,
conforme o próprio diz: “Se você acha que flutua, então flutua”, “2 + 2 por ser
4, pode ser 3, pode ser 5 ou tudo isso se necessário”. Como O’Brien pode ser
contestado se não há verdade objetiva?
[15]
Não posso evitar a referência
à obra “A abolição do homem” do literato C. S. Lewis. Já em 1943 Lewis não
apenas duelava contra o mesmo relativismo que Orwell rejeita, como
diagnosticava também que, se levado a sério, esse engodo intelectual implica no
fim do homem e, por conseguinte, no fim da vida em sociedade como um todo.
Nenhuma sociedade sobreviveu sem um “tao”, como chama Lewis, de saberes básicos
e objetivos compartilhados por todos e que nenhuma autoridade política ousaria
pôr em xeque. Winston e nós seríamos então, os últimos homens da Europa, ou os
últimos homens.
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1. Seja polido;
2. Preze pela ortografia e gramática da sua língua-mãe.