segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Quem paga o almoço do welfare state? Luís Stuhlberger: 'Esse negócio vai acabar muito mal. Só não sabemos quando e onde'


Leandro Modé - O Estado de S.Paulo
 
O semblante tranquilo engana. Luís Stuhlberger, considerado um dos melhores gestores de recursos do Brasil, está preocupado com o desfecho da crise global. "Esse negócio vai acabar muito mal. Nós só não sabemos onde nem como. Porque não há precedentes, não há previsibilidade", afirma, em entrevista exclusiva ao Estado. 

Stuhlberger conquistou sua reputação principalmente por causa do trabalho à frente dos fundos da família Verde, destaque de rentabilidade na empresa criada e administrada por ele, a Hedging-Griffo (desde 2006, Credit Suisse Hedging-Griffo, após a venda de metade do capital para o banco suíço). Neste ano, o fundo rendeu pouco acima do CDI, taxa de juros de referência no mercado financeiro. "Num ano em que a bolsa cai tudo isso (mais de 15%), a gente está no CDI. Acho que meu papel está ok. Nossos clientes estão felizes." 

A análise de Stuhlberger sobre o Brasil é dividida em duas partes. No curto prazo, afirma, tudo vai bem. "Mas há sinais de que algo está errado. Imóvel está caro, nosso Big Mac é o mais caro do mundo, nosso Corolla é o mais caro do mundo, a nossa arte está ficando a mais cara do mundo", exemplifica. "Nada disso surpreende a presidente Dilma (Rousseff). O duro é, dentro desse sistema político que vivemos, consertar." A seguir, os principais trechos da entrevista, dividida por tópicos: 

O fim de um modelo

"Desde o fim da Segunda Guerra, não há algo assim. É de uma gravidade e incerteza bem maiores do que os mercados hoje apontam. No pós-Segunda Guerra tivemos crises, claro, mas não são crises de esgotamento de modelo em escala global. A síntese é essa: o esgotamento de um modelo em escala global. Com a queda do comunismo, sobraram o capitalismo, a social-democracia e o regime asiático - que é uma ditadura consentida. A social-democracia (modelo em xeque) domina cerca de 90% do mundo."

Alternativas

"Nunca entendi como a Europa e os Estados Unidos poderiam, no longo prazo, ser iguais, visto que um gasta 50% do PIB e o outro, 30%. O mercado demorou a se dar conta disso. Mas, quando aconteceu, em alguns meses, a social-democracia entrou em colapso. Isso acontece porque a social-democracia prometeu muito. E as futuras gerações não vão conseguir entregar. Do que estamos falando? Trabalhar pouco. É um sonho. Quem de nós não quer trabalhar 30 horas por semana, ter férias de dois, três meses, licença-maternidade de um ano, emendar todos os feriados e, mais ainda, que o governo dê tudo? Todos querem. O problema é: quem vai pagar? E não estou falando de algo escrachado como a Grécia. Falo de França, Itália e Espanha. Temos hoje milhões de discussões que, ao final, não nos deixam enxergar o problema central: muito gasto do governo, pouco incentivo à produtividade e um sistema eleitoral que mostrou que nem mesmo novos governantes são capazes de resolver os problemas."

Vai acabar mal

"Você tem de pensar em gestão de recursos sabendo que esse negócio vai acabar muito mal. Nós só não sabemos onde nem como. Porque não há precedente, não há previsibilidade. Algo de riqueza terá de ser destruído para preservar o resto. Não há ganhadores. Há quem perde menos. Aqui não se trata de escolher entre o ótimo e o bom, mas entre o ruim e o péssimo. Eu fico pensando o tempo inteiro, porque isso é colapso de modelo. É o colapso de um negócio que deve US$ 3 trilhões ou US$ 4 trilhões e o sistema não tem como pagar. Além de tudo, o sistema, mesmo não pagando, não tem como continuar assim. Então, o que será da humanidade?"

O gestor nessa conjuntura 

"Se eu consigo saber o fim da estrada, que será um desastre monumental, por que eu não sei o meio da estrada? Aliás, nem eu nem ninguém. Parto de algumas premissas das coisas que tenho mais certeza para outras que tenho menos certeza. A primeira coisa clara para mim é que, de alguma forma, sempre quem paga a conta é o dinheiro. Isso não quer dizer que é para comprar ouro, que não vai resolver. Dinheiro sempre é o que perde mais porque é papel. A outra conclusão é que o euro vai ser o grande perdedor - mas ainda não sei quem vai ser o vencedor. A terceira conclusão é que os bancos europeus, no geral, vão ter de ser estatizados. Não quebra ninguém. A quarta conclusão - e essa é binária - é que ou o euro acaba (e sobram 17 moedas nacionais) ou haverá uma monetização (ou seja, impressão de dinheiro pelos governos). Mas esses são dois caminhos totalmente opostos e suas consequências no mercado, também. Temos, portanto, cenários que são 'isso e aquilo' e cenários que são 'isso ou aquilo'. Então, tento começar a comprar opções. Onde eu posso estar muito errado? Esse negócio ficar em conta-gotas por meses. É que, nesse cenário, você compra seguro e acaba perdendo o prêmio. Quem ganha é a seguradora. O raciocínio de gerir dinheiro é baseado em certezas, timings, coisas binárias."

Nave espacial ou Titanic

"90% do dinheiro do mundo que sobra está com menos de 1% das pessoas. Um bilhão de pessoas têm até R$ 200 mil no banco. Essas pessoas têm seus recursos protegidos pelo governo. Mas quem tem muito dinheiro vai perder. A questão é que esse processo não necessariamente ocorrerá amanhã nem vai ser rápido. Poucas vezes na minha vida me vi tão extremamente em dúvida. Não quer dizer que estou inativo. Mas, às vezes, acho que estou no comando da nave espacial que vai para o sol, às vezes acho que estou no comando do Titanic. Fico extremamente angustiado pela dificuldade natural desse processo, pois nunca vimos isso." 

Perder menos

"Estou olhando o patrimônio das famílias que confiam em mim - 5 mil ou 6 mil famílias, com patrimônio de R$ 15 bilhões - e tentando, honestamente, perder menos. Perder menos não quer dizer perder menos em real, perder menos olhando o bom cenário. (No Fundo Verde), estamos um pouco acima da taxa Selic (juro básico da economia) porque ganhamos um dinheirão na renda fixa e no câmbio, mas perdemos 6%, 7% na bolsa. Conseguimos na renda fixa exatamente o que o CDI comeu da bolsa. Então está bom. Num ano em que a bolsa cai tudo isso, a gente está no CDI. Acho que meu papel está ok. Nossos clientes estão felizes. Em dezembro de 2008, escrevi que tínhamos a chance de uma vida para comprar ações. Deu certo. Em 2009, subiu 100%. Desta vez, eu não acho isso. Não quer dizer que seja um cenário de possibilidade zero."
Lições para o Brasil

"O que está acontecendo é importante para o Brasil. Não agora, quando sofremos menos, estamos crescendo, com dívida baixa. Mas é uma lição boa porque está acontecendo antes que seja tarde demais. A gente vai ter essa experiência de colapso de modelo para dizer: precisamos fazer reformas, temos de ganhar competitividade. Graças a Deus, a Argentina estourou em 2001 - quando o Lula entrou -, que o Brasil não seguiu o caminho da Venezuela. O Brasil evoluiu. Começou com Fernando Henrique Cardoso e o PT do Lula e da Dilma foi aprendendo. Governos têm de ser impopulares. Se todo mundo gosta de você, significa que você está fazendo algo muito errado. É impossível agradar a todos. Outra coisa que Lula e Dilma aprenderam com Fernando Henrique: é melhor não fazer nenhuma reforma e o País crescer 3% ao ano do que fazer a reforma, que é duro e dá briga, crescer 6%, mas quem vai ganhar é o outro. Isso reflete o espírito com que o Brasil é governado. O medo do confronto para um futuro melhor. Em resumo, o governo brasileiro ajeita aqui e ali, mas, na verdade, a gente tem um ciclo de desenvolvimento endógeno baseado em 15,20 anos de inflação estável, âncora cambial, avanço do crédito e melhores práticas que nos levaram até US$ 12 mil de PIB per capita. Mas, para ir a US$ 30 mil, tem de mostrar a que veio."

Maus sinais

"O Brasil está bem, mas há sinais de que algo está errado. Exemplos: imóvel está caro, nosso Big Mac é o mais caro do mundo, nosso Corolla é o mais caro do mundo, a nossa arte está ficando a mais cara do mundo. As vendas no varejo estão crescendo muito acima da indústria de transformação. A balança comercial mostra que a indústria de transformação passou de um superávit de US$ 25 bilhões para um déficit de US$ 43 bilhões em quatro anos. A razão investimento/consumo mostra o Brasil como um dos piores do mundo. O investimento público também é um dos mais baixos do mundo. Nossa previdência é a pior. A Alemanha gasta como a gente, mas tem 19% da população idosa. Nós temos 8%. Esse dinheiro está sendo usado para o Lula ter 90% de popularidade. Há ainda o sistema tributário e a inflação, que só não está pior porque os bens duráveis estão com os preços estáveis. O Lula tinha uma noção intuitiva disso porque é um político. Mas a Dilma tem perfeita noção. Nada disso surpreende a Dilma. O duro é, dentro desse sistema político que vivemos, consertar. A Dilma é uma excelente presidente. Graças a Deus, pegamos uma pessoa preparada, que sabe os desafios que têm pela frente."

Mudanças necessárias

"Este ano, a indústria caiu em si: com o dólar entre R$ 1,60 e R$ 2, estamos ferrados. Estamos em uma armadilha de produtividade. Para isso, precisamos de mudanças profundas. Há outra parte disso que é cíclica, da qual o Brasil pode até sair melhor. Temos de manter macroprudenciais grandes e juro alto para combater a alta da inflação. (Guido) Mantega e (Alexandre) Tombini estão dizendo para a população: vocês correm maratona com 50 quilos nas costas. Vou trocar por uma mochila de 25 quilos. O Brasil tem isso para queimar. Só por esse lado, estaremos bem. Além disso, o Brasil tem soja, minério de ferro, algodão, petróleo, água, terra, um capitalismo de governo que não tenta ferrar o empresário - caso da Argentina e da Rússia. O Brasil entende que o capital precisa ganhar para dar retorno e emprego. Então, acho que estamos bem por alguns anos e ainda podemos melhorar muito. Dá para tirar muita mochila ainda. O problema é quando você estiver correndo pelado. Aí acabou o arsenal."

Selic x risco

"Tive um sócio que costumava dizer: é melhor ter lucro tributável do que prejuízo isento. Cuidado com essa história de 'vamos ganhar mais'. Melhor ganhar 8% ao ano do que tentar ganhar 12% e fazer alguma besteira."

Fim da corrida do ouro 

"A corrida do ouro acabou. Está subindo há 10 anos. Há algo que tenho convicção absoluta, só não sei o nível: a única coisa com que se vai perder menos são as ações de boas empresas. Não há outra coisa. Imóvel, arte, ouro. Há uma discussão enorme sobre quais são essas empresas, onde elas estão, etc. Estou falando, claro, como algo geral. Afinal, temos 30 setores em mais de 100 países. Não estou recomendando que as pessoas vendam suas casas e invistam em ações. Mas, quando a queda vier, atingirá tudo isso."

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