sábado, 26 de novembro de 2011

Três Pilares da Ordem: Edmund Burke, Samuel Johnson, Adam Smith (Parte 3)

Por Russel Kirk

Publicado em:
The Imaginative Conservative

Traduzido por: Juventude conservadora UnB.


Adam Smith (1723-790)

O débito não reconhecido aos escritos de Adam Smith é muito maior que sua influência geralmente reconhecida. Encontra-se nos volumes de John Adams [1], por exemplo, uma análise muito astuta e aparentemente original (tanto quanto qualquer psicologia pode ser chamada de original) da natureza moral do homem. Ao menos eu a tomei por original, até alguns anos atrás; então, descobri que muitas passagens de Adams, e mesmo a maior parte de suas convicções nesse importante assunto, foram emprestadas – praticamente plagiadas – da “Teoria dos Sentimentos Morais” de Smith, publicada em 1759 (similarmente, muitos registros da Revolução Americana na obra “Life of Washington”, de John Marshall [2], foram extraídos do “Registro Anual” de Burke). Os empréstimos americanos do Velho Mundo não terminaram em 1776.

Mas foi como um financista, mais do que como um moralista, que Smith moveu os homens de seu tempo. Eu possuo e faço uso da terceira edição de “Uma Investigação sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações”, publicada em 1786 – a edição que pertencia e era altamente louvada por Robert Burns [3]. A grande razão para o sucesso prático do livro foi sua combinação de educação genuína com uma profusão de cuidadosas observações do senso-comum escocês – e tudo escrito lúcida e desapaixonadamente. Charles James Fox [4] disse, sobre as edições anteriores, em uma carta à Casa dos Comuns em 1783:
Havia uma máxima escrita em um excelente livro sobre a Riqueza das Nações, que foi ridicularizada por sua simplicidade, mas que era inegavelmente verdadeira. Nesse livro, estava escrito que o único caminho para tornar-se rico era administrar matérias de modo que os custos de alguém não excedam seus ganhos. Essa máxima aplica-se igualmente a um indivíduo e a uma nação. A linha correta de conduta, portanto, era uma economia bem-direcionada para retrair todo custo corrente, e ampliar a poupança durante a paz tanto quanto possível... Não se devia pensar que, por ter-se aberta a possibilidade de recuperação, o país seria restaurado a sua grandeza anterior, a não ser que os ministros planejassem um meio ou outro de pagar uma parte do Débito Nacional, pelo menos, e fizessem algo para estabelecer um verdadeiro fundo de reserva, capaz de ser aplicado para uma constante e sensível diminuição dos fardos públicos.
A frase “aplica-se igualmente a um indivíduo” nos lábios do pródigo Fox devem ter provocado, no mínimo, sorrisos das bancadas opositoras. Por esse motivo, Smith não foi muito favorecido com os benefícios da fortuna (o louvor de Fox ajudou a aumentar muito as vendas de “A Riqueza das Nações”, elevando os recursos do autor). Para Charles Butler [5], Fox confessou mais tarde que nunca realmente leu Smith: “Há alguma coisa em todos esses assuntos que ultrapassa minha compreensão; algo tão grande, que nunca poderia abraçá-los eu mesmo ou encontrar alguém que pudesse.” A quantos outros homens públicos que citam filósofos a confissão de Fox é verdadeira!

Entretanto, o que o arqui-Whig não pôde apreender, o arqui-Tory pôde. O jovem William Pitt [6] encontrou em Smith a sagacidade necessária para financiar vinte e cinco anos de guerra. Em seu Discurso do Orçamento de 17 de fevereiro de 1792, Pitt observou que uma das causas do aumento da riqueza nacional era “a constante acumulação de capital, quando não obstruída por alguma calamidade pública ou por alguma política equivocada e enganosa. Simples e óbvio como é esse princípio, e sentido e observado como deve ter sido em maior ou menor grau desde tempos anteriores, eu duvido que já tenha sido alguma vez totalmente desenvolvido e suficientemente explicado, exceto por um autor de nosso próprio tempo – agora, infelizmente, não mais (me refiro ao autor do célebre tratado sobre a Riqueza das Nações); seu extenso conhecimento de detalhe e sua profundidade de pesquisa filosófica irão, creio eu, fomentar a melhor solução para toda questão conectada com a história do comércio, e com o sistema de economia política.”

Na América, durante o mesmo período, “A Riqueza das Nações” correu por todos os principais relatórios financeiros de Alexander Hamilton [7]. Alguns dos opositores de Hamilton também beberam do poço de sabedoria econômica de Smith em seus argumentos. Desde essa época, de ambos os lados do Atlântico, aqueles que ocupam os assentos do poder ou falaram em vão sobre Adam Smith, ou utilizaram sua grande obra sem se incomodar em citar a fonte de sua presciência.

Grandes influências algumas vezes vêm de origens pequenas e obscuras. A observação de Smith sobre o declínio da pequena indústria de fabricação de alfinetes em sua vila natal de Kirkcaldy levou-o a refletir sobre a divisão do trabalho, e sua análise sobre a divisão do trabalho tornou-se “A Riqueza das Nações”. Fazendo bem o tipo do professor escocês, Smith foi, ao longo da vida, tão absorvido pelo assunto da divisão do trabalho que, em certa ocasião, ele quase foi exterminado por ela. O London Times, em seu obituário de Smith (que faleceu em 1790), recordou, de maneira um tanto maldosa, um episódio instrutivo desse tipo. Quando Charles Townshend [8], o político, visitou Glasgow, Dr. Smith levou-o para ver um curtume:
Eles estavam em uma prancha que foi passada sobre o poço de curtimento; o Doutor, que falava calorosamente sobre seu assunto favorito, a divisão do trabalho, esquecendo da precariedade do chão em que estava, mergulhou de cabeça na piscina nauseabunda. Ele foi retirado de lá, despido, e carregado em lençóis, e acompanhado a sua casa numa grande carruagem, onde, tendo se recuperado do choque de um inesperado banho gelado, reclamou amargamente que deveria deixar a vida com todos seus assuntos em grande desordem; o que foi considerado uma afetação, pois suas transações eram poucas e sua fortuna era nada.
De fato, Smith sobreviveu a esse desastre; e sua reputação sobreviveu a quedas de impérios. Nem tanto sua Glasgow, ou sua Kirkcaldy. Até recentemente, Glasgow era uma das maiores cidades de pedra do mundo; entretanto, nas últimas décadas, políticas públicas, cuja maneira mais bondosa de chamá-las seria “vazias”, reduziram praticamente toda a parte velha da cidade ao abandono total ou uma horrenda favela – ignorando, acima de tudo, certos princípios expostos em “A Riqueza das Nações”. Quanto a Kirkcaldy, onde o linóleo substituiu o alfinete, um documentário americano sobre a vila foi produzido alguns anos atrás – ou melhor, um filme sobre a vida e a obra de Smith, no qual havia cenas da moderna Kirkcaldy, representada como uma colméia industrial que foi possível graças ao triunfo das idéias econômicas de Smith. Pude conhecer Kirkcaldy muito bem, e a indústria pulsante mostrada no filme é, em grande parte, uma falida operação socialista de Estado; e Kirkcaldy tem uma das maiores taxas de desemprego da Inglaterra; e quase todos os velhos edifícios interessantes associados a Smith e à Kirkcaldy de seu tempo foram deliberadamente demolidos, sendo substituídos pela feiúra ou por lotes cheios de entulho. Um profeta não fica sem honra...

Mas estou divagando. No começo, prometi falar porque Johnson não amava Smith. Uma razão para isso é que Smith não amava Johnson. Em suas “Conferências sobre Retórica”, Smith proclamou: “De todos os escritores antigos e modernos, aquele que mantém a maior distância do senso-comum é o Dr. Samuel Johnson.” Por outro lado, Smith disse a Boswell que “Johnson sabia mais que qualquer homem vivo.” Boswell foi aluno de Smith em Glasgow; certa vez, ele mencionou a Johnson que Smith preferia rimas a versos brancos. “Senhor”, respondeu Johnson, “eu estive uma vez na companhia de Smith, e nós não nos entendemos; mas se soubesse que ele adorava Rima tanto quanto me diz, eu o teria abraçado.” Os dois se encontraram depois por acaso no Clube, em Londres, e aparentemente foram bastante cordatos em suas disputas. Mas Smith revisou o Dicionário de Johnson de maneira hostil, e, por isso, Johnson jamais o perdoou.

Pondo de lado esses detalhes, um abismo estava crescendo mesmo no fim do último quarto do século XVIII entre os homens de intelecto que professavam o dogma cristão e os homens de intelecto que tinham suas dúvidas liberais. Johnson e Burke pertenciam àquele grupo; Smith era o maior admirador de Hume. Como disse Manning [9], toda diferença de opinião é, no fundo, teológica. Smith não era ateu, mas suas admoestações à Igreja, na primeira edição de “A Riqueza das Nações”, inquietaram até seu bom amigo Hugh Blair, o famoso pregador liberal da época, que escreveu a Smith, em abril de 1776: “Mas sobre seu sistema acerca da Igreja não posso concordar inteiramente com você. Independência nunca foi um sistema possível ou praticável. As pequenas facções das quais fala, por muitas razões, unir-se-iam em corpos maiores e trariam grandes danos à sociedade.” Com tais ressalvas, Smith fez adversários formidáveis, Blair lhe disse. Johnson era um deles, sem dúvida; e Burke, mesmo que fosse um enérgico amigo da tolerância religiosa, não era admirador da
dissidência e da dissensão.

Finalmente, havia diferenças de temperamento e suposições sociais entre esses três. Burke era muito irlandês, Johnson era muito inglês – e Smith era indubitavelmente escocês. Sua mente era a mente de um Whig escocês, não importa quão urbanamente professoral Smith poderia ser. William Butler Yeats, em seu poema “The Seven Sages”, sugere que Burke, ainda que um Whig por nome e ocupação, detestava profundamente o estado mental e o caráter Whig:
Todos odiavam o espírito Whig; mas o que é   O espírito Whig?
Um nivelador, rancoroso, racional tipo de

  Mente
Que nunca olhou com os olhos de um

  Santo
Ou com os olhos de um bêbado. [10]

Johnson temia o Inferno e venerava os santos; Burke às vezes era zombeteiro quando bebia, e lia “os pais do século XIV”. Smith parece ter sido sempre sóbrio, e não era dado a visões do mundo além do mundo. É um grande caminho de Kirkcaldy para Dublin ou para Litchfield.

Seja como for, Burke e Johnson e Smith, de suas diversas maneiras, descreveram e defenderam aquelas crenças e instituições que mantêm a tensão beneficente de ordem e liberdade. Todos foram pilares do que Burke chamou de “esse mundo de razão, e ordem, e paz, e virtude, e frutífera penitência”; todos sabiam como homens e nações podiam fazer escolhas que os lançavam “no antagonista mundo da loucura, discórdia, vício, confusão, e irremediável sofrimento.” Tais escolhas desvairadas estão sendo feitas dois séculos depois que esses homens viveram e respiraram e existiram. Assim, eu não acho realmente surpreendente que alguns dentre nós, no que cremos será uma era mais de concentração do que de excentricidade, estejam novamente compreendendo Burke e Johnson e Smith.


Notas do tradutor

[1] John Adams (1735 – 1826) foi um advogado, diplomata e político americano.
[2] John Marshall (1755 – 1835) foi Chefe de Justiça dos Estados Unidos (presidente da Suprema Corte e chefe do judiciário federal norte-americano) de 1801 a 1835. Sua biografia de George Washington, “Life of Washington”, foi publicada em 5 volumes entre os anos 1804 e 1807.
[3] Robert Burns (1759 – 1796) – também conhecido como Rabbie Burns, o Poeta dos Rústicos e, na Escócia, “O Bardo” – foi um importante poeta escocês.
[4] Charles James Fox (1749 – 1806), conhecido como "O Honorável", foi um importante político Whig.
[5] Charles Butler (1750 – 1832) foi um advogado católico e escritor inglês.
[6] William Pitt (1759 – 1806) foi Primeiro-Ministro da Inglaterra entre 1783 a 1801 e, novamente, de 1804 a 1806. Seu pai foi William Pitt, 1º Conde de Chatham (1708 – 1778), também foi Primeiro-Ministro da Inglaterra (1766 - 1768), motivo pelo qual é chamado de "O Novo".
[7] Alexander Hamilton (1757 – 1804) foi um economista e filósofo político americano. É considerado um dos Founding Fathers ("Pais Fundadores", em tradução livre) dos Estados Unidos.
[8] Charles Townshend (1725 – 1767) foi Ministro da Fazenda do Reino Unido entre 1766 e 1767.
[9] Henry Edward Manning (1808–1892) foi um cardeal inglês da Igreja Católica Apostólica Romana. Ocupou o posto de Arcebispo de Westminster de 1865 a 1892.
[10] Tradução livre. No original:
All hated Whiggery; but what is
  Whiggery?
A leveling, rancorous, rational sort of
  Mind
That never looked out of the eye of a
  Saint
Or out of drunkard’s eye.
 

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